quarta-feira, 27 de maio de 2009

MASSIMO URBANI - Dedications ( To Albert Ayler & John Coltrane)


"Massimo era fora de série, era como um ET. Quando eu o escutava não eram apenas as notas, o som,as frases a me impressionar, mas também a presença. Era ele, era "body and soul", e somente ele era capaz de inventar no momento uma música desconhecida. Massimo me ensinou a generosidade, o envolvimento físico e espiritual na música. Além disso, seu exemplo é uma vacina para todos contra os abusos e os excessos."
Essas são as palavras de Stefano Di Battista numa entrevista à revista mensal francesa "Jazzman".
Stefano Di Battista é considerado por muitos o sucessor natural de Massimo Urbani, um dos mais brilhantes saxofonistas italianos, morto tragicamente em 1993 em Roma. Como seu ídolo Charlie Parker, Urbani virou escravo dos abusos, apartando-se num mundo onde só existiam o saxofone, a música e a droga, que o conduziu à morte por overdose.
Com apenas 23 anos, em 1980,o alto-saxofonista já era dono de timbre, fraseado e inspiração impressionantes. As notas fluíam do sax dele com uma facilidade inegualável. Este disco é uma homenagem aos espíritos de John Coltrane e Albert Ayler e presenteia os ouvintes com uma das melhores performances de Massimo Urbani, um grandíssimo talento, um músico superior, de quem todos os amantes do jazz lamentam a inestimável perda.

Ellis & Branford Marsalis - LOVED ONES


"Loved Ones" é um cd de grande elegância e sutileza.
Inteiramente composto de faixas por piano solo ou piano e sax, é uma coleção de 14 clássicos do songbook americano, cada um dedicado a diferentes aspectos da figura feminina, as "amadas" mencionadas no título.
No repertório aparecem "Delilah", "Maria" de West Side Story, "Miss Otis Regrets" de Cole Porter, "Liza" dos Gershwin, "Bess You Is My Woman" de Porgy & Bess, "Angelica" de Duke Ellington entre outras. Todos standards, menos "Dear Dolores", a faixa que encerra o disco, uma linda composição do próprio Ellis Marsalis, dedicada à esposa.
O projeto foi concebido para ser um disco de solo piano, mas, lembra o pianista "... Enquanto eu estava tocando estas músicas, pensei que o som do Branford seria ótimo em algumas delas. Pra mim ele é o músico mais criativo existente hoje".
E pai e filho conseguem realizar um trabalho bem feito, de ótima música, sem divergências geracionais. Música introspectiva, noturna, sem muitas surpresas, mas com a delicadeza e o carinho que somente elas (as "amadas") e a lembrança delas sabem proporcionar.

domingo, 8 de março de 2009

Prefácio do meu livro (Improvisando amor) Opinem!!!

Neste lugar, neste exato momento um espetáculo está prestes a acontecer.
Os privilegiados que irão presenciá-lo não tiveram que pagar por isto.
Duas figuras indistintas, duas silhuetas minutas, sentadas no chão aguardam, os olhares fixos na linha imaginária que separa o céu das colinas.
Imóveis, quase num estado de meditação sobrenatural, esperam.
Uma brisa de vento sopra agradavelmente atrás delas, enrijecendo levemente a pele das pernas e dos braços deixados descobertos pelas camisetas e pelos shorts. Corre em cima dos fios de grama da vegetação, agitando-os e levantando um sutil véu de poeira que se dissolve no ar.
Chegou a hora. Finalmente.
Os olhos, quatro, entreabertos, contemplam o gigante de luz abaixar-se no horizonte e afastar-se lentamente do dia, como um artista que se curva a receber os aplausos do público antes de deixar a cena.
Mas não tem barulho.
É um show silencioso que nada pode interromper. Um momento sagrado em que a natureza celebra seu ciclo, a renovação da vida.
Um fulgor de cores que parecem roubadas da palheta de um maluco pintor futurista inunda aquele retalho de céu de clarões laranja, vermelhos e cor-de rosa que se misturam e se projetam com mil reflexos na superfície lisa do pequeno lago.
É atrás das colinas que o protagonista do nosso dia irá descansar. Amanhã, se tivermos sorte, voltará a brilhar sobre todos nós, sorrindo de lá de cima.
Mais um momento. Com uma última e rápida pincelada de vermelho intenso que deixa o céu sangrando, o sol cumprimenta a platéia e se despede.
Escuridão.
- É lindo. Queria ficar aqui pra sempre – ele diz. Agora é de novo possível quebrar o silêncio.
Ele volta a ter percepção do braço apoiado em seus ombros. Tão leve, tão doce que não o incomoda.
Dois lábios macios que ainda não conhecem o sabor dos beijos descolam um do outro deixando a boca produzir um som suave, tão feminino, uma voz suspensa entre sonho e realidade:
- Quero que me prometa uma coisa.
- O quê?
- Promete?
- Prometo – diz ele curioso.
A voz dela se faz séria. - Quero que tudo isso fique só entre nós dois.
- Como um segredo?
- Como um segredo. O nosso. Eu te prometo que nunca vou contar pra ninguém.
- Tudo bem. Te dou minha palavra. Não vou contar.
- Mais uma coisa – ela não ia esquecer.
- Que mais?
- Promete que você nunca vai dividir este lugar com outra pessoa. Isto pertence só a mim e a você.
- Prometo. Agora vamos que tá escuro...
- Trouxe as lanternas?
- Estão aqui na minha mochila.
- Tá.
No escuro os dedos vagueiam alguns instantes em cima da superfície de plástico da mochila, até conseguirem achar e desatar rapidamente o nó do laço que, fechando-a, guarda seu conteúdo. Mãos se introduzem velozes nela e como por mágica saem segurando dois pequenos objetos de forma cilíndrica. Outra mágica e dois feixes de luz amarela se acendem iluminando fragilmente a noite.
- Tira essa luz dos meus olhos! Seu chato!
Ele ri, direciona o feixe de luz para baixo e entrega a lanterna nas mãos dela.
- Tó. Segura.
Com um gesto rápido põe-se de pé e, oferecendo o braço, a ajuda a levantar-se.
Agora ambos estão de pé, um em frente ao outro. Ela é um pouco mais alta. Nenhum dos dois parece estranhar o lugar ou a escuridão.
- Por aqui...
Dois corpos que a idade ainda não amadureceu enfrentam o caminho de volta até as bicicletas. É um percurso breve mas que a fraca iluminação das lanternas torna perigoso. É possível escorregar ou enfiar um pé em algum desnível do solo.
Felizmente os passos seguem cautelosos as duas linhas luminosas na frente. Lentamente, um atrás do outro, sem pressa.
O bosque vai rareando cada vez mais. Mais um pouco e os dois avistam as bicicletas encostadas no murinho sob a luz artificial de um lampião. Mais alguns passos e estão lá.
Uma nova luz, mais forte que a das lanternas, agora ilumina dois rostos felizes.
De repente a vegetação e a terra se interrompem, deixando lugar ao asfalto da estrada, e com ela o mundo. Aquele mundo que não deve conhecer o segredo deles.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Criss-Cross


Um dos poucos compositores realmente originais, Monk vivia no "seu" mundo: compunha músicas que tocava e gravava repetidamente, sempre achando algo de musicalmente novo a dizer, sempre cavando em profundidade nas armonias e na própria alma. Qualquer músico sabe quanto seja difícil e arriscado tocar uma peça de Monk: aquelas notas "erradas" e o modo pouco ortodoxo com que ele batia nas teclas do piano, lhe permitiam obter um som dificilmente imitável.
Musicalmente Monk deu o melhor em quarteto (piano, baixo, bateria e sax tenor).
Em sua banda passaram grandes saxofonistas como Johnny Griffin, Sonny Rollins e o próprio Coltrane, mas talvez foi Charlie Rouse que conseguiu entrar mais em sintonia com o mundo e os sentimentos do pianista.
CRISS-CROSS é um album rico de swing, menos cerebral e menos complexo nos arranjos comparado com o mais renomado "Brilliant Corners", mas igualmente representativo do estilo Monkiano.
A intesa e o entrosamento com Charlie Rouse são excepcionais e a versão de "Don't Blame Me" para piano solo é inesquecível.


Jazz In Film


Ao longo dos anos Terence Blanchard tem colaborado ativamente com o cineasta Spike Lee em filmes como "Faça a coisa certa", "Mais e melhores blues", "Febre na selva", "Malcolm X" e outros, mostrando uma propensão a um certo tipo de música "narrativa", típica das trilhas sonoras.
Este disco é uma homenagem a grandes autores como Alex North, Bernard Herrmann, Jerry Goldsmith e Elmer Bersnstein.
Seguindo o exemplo de Miles Davis em "Ascenseur pour l'Echafaud", o jazz de Blanchard flui com naturaleza e fascinação, graças também aos magnificos solistas que o acompanham (Joe Henderson e Kenny Kirkland acima de todos).
Memorável sua interpretação de "Chinatown", com o toque mágico do piano de Kirkland (talvez o último trabalho dele antes da morte) e o trompete que respira as tensões do cinema "noir" dos anos '50; a mesma dimensão que se encontra em "The Pawnbroker" de Quincy Jones, em "Taxi Driver" de Herrmann e em "The Subterraneans" de André Previn.
Arranjos em tons crepusculares que dão grande espaço aos sopros para os golpes de mestre de Blanchard e Henderson.
Nos emocionantes 70 minutos do disco tem espaço para a magia de Duke Ellington com "Anatomy Of A Murder", "Degas' Racing World" (um documentário sobre o pintor francês) e dois clássicos ("A Streetcar Named Desire" e "The Man With The Golden Arm").
O cd fecha com "Clockers", do próprio Blanchard: um conjunto de texturas cruzadas que não desmerece perto das composições dos grandes.
Um disco jazz de absoluta beleza.

Racconti Mediterranei


O álbum, gravado no Teatro Comunale de Gubbio, faz jus ao título, com uma série de intensos retratos sonoros profundamente ligados a humores mediterrâneos.
São temas emocionantes, atmosferas delicadas e tocantes, para serem abordados com alma serena, deixando-se ninar e emocionar.
A mágica relação entre o pianista romano Enrico Pieranunzi e o pequeno selo EGEA permitiu ao artista de acrescentar mais uma peça preciosa à sua longa lista já cheia de reconhecimentos. Esta relação não renega a forte matriz jazzística do pianista, mas a reforça acrescentando aos fundamentos jazz humores populares, mediterrâneos, simples mas muito profundos, que claramente Pieranunzi tem inatos na própria alma de músico.
Para este disco Pieranunzi quis ao seu lado dois músicos que ele bem conhece:o baixista americano Marc Johnson,um gigante do jazz, e Gabriele Mirabassi, grande virtuoso do clarinete, que toca soberbamente em qualquer contexto, desde o jazz, até o erudito e o popular.
Pieranunzi escreveu onze temas que, como o próprio título explica, podem ser definidos contos mediterrâneos. O natural lirismo do pianista pode assim vir à tona com toda sua inspiração, muito próxima a um conceito de folk refinado.
O clarinete de Mirabassi e o contrabaixo de Marc Johnson são um complemento perfeito para este que não é apenas um grande disco de jazz, mas também um trabalho fascinante que todos poderão apreciar.
Quando, como nesse caso ,a música é tão grande e simples, não existem limites ou definições para ela.
Escutem e façam escutar.