quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Porque ouvimos e colecionamos discos de vinil


Falar sobre as próprias paixões é algo extremamente nobre. Compartilhar nossos sentimentos representa também uma maneira de prolongar o prazer que o objeto de nossa paixão nos proporciona.

O disco de vinil originariamente cumpria uma dupla função: a principal, ou seja a de meio de fruição da música, e a secundária, de objeto, frequentemente também de valor artístico e visual, ao qual atar momentos, lembranças e situações emotivas.
Uma coleção de lps é de fato uma coleção de memórias: é fácil, ao puxar um álbum adquirido 20 ou 30 anos atrás, reviver, às vezes nitidamente, o momento em que foi comprado ou até mesmo o "mood", a atmosfera ligada a ele. Um pouco como as "madeleines", bolinhos em forma de concha que ativaram as reminiscências do escritor francês Marcel Proust inspirando-o a escrever o romance "Em busca do tempo perdido", um dos principais clássicos da literatura mundial. Porque, por mais "piegas" que isso possa parecer, muitos momentos do passado têm um sabor irresistível.
Não podemos esquecer também o gesto de tomar posse de um fragmento de história, uma lasca tangível do tempo que foi: encontrar um velho disco e apossar-se dele equivale a trazer para dentro de casa uma partícula do passado, não necessariamente vivido por nós, em um gesto que é, ao mesmo tempo, celebração do presente e nos torna cúmplices de eventos já desbotados no fluxo do tempo que corre.
São todos elementos de grande valor emotivo que no estado atual das coisas prevalecem sobre o lado prático relacionado com a existência do disco: portanto o disco não é mais apenas um suporte musical (a tecnologia oferece soluções mais práticas), mas acima de tudo um coletor de memórias e sensações, uma espécie de demiurgo da mente.

O disco tem um som delicado nos graves, doce nos médios e aberto nos agudos que afasta anos de compressão selvagem intencionada a por todas as frequências em primeiro plano. No vinil a música respira e vive na dinâmica, que foi a maior vítima dos suportes digitais.
Apoiando a agulha nos sulcos, o disco te obriga a um respeito pela música que de outra forma você não teria e, justo pela delicadeza desta manobra, é impossível o avanço rápido e selvagem característico do áudio em streaming ou do mp3.
Cada mínima partícula de pó influi na música, modificando-a, tornando a audição cada vez única. Quando o disco está muito sujo, é necessário cuidar dele, limpá-lo. É o equivalente áudio do cinema em película. Em uma palavra: mágico.
Mesmo quando ele "pula", cria o paradoxo de fazer você interagir fisicamente com o som, que é abstrato, pedindo sua atenção. É um equilíbrio muito frágil, que dura desde que foi inventada a reprodução do som. Você se sente parte de uma maravilha atemporal.
Tudo isto tem um custo. Se você achar ruim, deveria pensar duas vezes. Desde que usufruímos mais ou menos livremente de toda a discografia de um artista ao alcance de um "click", a música se tornou (não só isso, mas também) database, estatística, passatempo. Quando, ao contrário, você paga pela música, você lhe atribui um valor que te obriga a aproximar-te dela de forma diferente, não mais como algo de corriqueiro, mas algo que vale um preço, que custa uma renúncia. Você é levado a uma escolha (não é possível comprar tudo!) portanto implicitamente a pensar. Quando você escuta um disco pelo qual você gastou dinheiro, você mantém uma atenção que normalmente não tem para uma playlist do Spotify ou um álbum baixado.
Este é o verdadeiro motivo pelo qual nos lembramos perfeitamente da música escutada anos atrás: não porque era mais bonita; simplesmente tínhamos menos discos e os ouvíamos até consumi-los.
A capa, a contracapa, a foto gigante no meio, as ilustrações, as letras, tudo é do tamanho certo para poder ser apreciado plenamente. Não uma adaptação, mas sim um trabalho original, algumas vezes uma verdadeira obra de arte visual.
O disco toca até sem volume, e é aí que está a maravilha: a agulha cria o som mesmo sem amplificação, só trilhando os sulcos. Você aproxima os ouvidos ao disco e ao ouvir aquele som parecido com um gramofone distante você percebe que a musica nasce dali, de um lugar físico. Ela pega forma. Cada faixa possui seu valor: você pode vê-las graficamente esculpidas nos sulcos. Você pode perceber a duração delas e pode entender se uma música começa lenta ou com poucos instrumentos, para depois ganhar intensidade. Você pode ver a música antes de escutá-la.
O disco de vinil é uma forma de apossar-se fisicamente da música. Uma coleção de discos diz quem você é, conta sua história. Por isso os discos são sagrados e precisam ser guardados como coisas preciosas. Não se vendem, não se trocam e nem deveriam ser emprestados.